Relato do nascimento da Céu
*Por Priscila Figueiredo
Li muitos relatos e eles foram muito importantes no meu
processo de empoderamento. Estou abrindo um pouco nossa intimidade mas não
poderia deixar de retribuir pro todo e quem sabe contribuir com o empoderamento
de alguma mulher.
RELATO DO NASCIMENTO
DA CÉU
Eu pari a Céu acocorada no chão do quarto e eu fui a
primeira pessoa a encostar nela, depois de ouvir a parteira dizer “Pega ela, é
tua filha”. Segurei minha florzinha ainda toda sem jeito e coloquei no meu
colo. E ali ficamos por horas, pois era só isso que nós duas precisávamos: do
contato uma da outra. Um encontro tão
desejado. Não tem como lembrar disso e não chorar. Um choro tão bom, tão suave, tão feliz. Uma
lembrança que traz consigo toda uma vivência, todo um processo longo, doloroso
de desconstrução, de muitos encontros, relatos e leituras. E que permitiu que
hoje eu diga que, com uma gravidez de baixo risco, essa foi a forma mais segura
e saudável possível que a Céu poderia ter nascido. Saudável emocionalmente e
fisicamente, pois estas dimensões não podem estar separadas. Eu pari como
mulheres vem parindo a milhares de anos, porque assim como o sexo, com poucas
exceções, nós mulheres não precisamos de mais nada, só amor e respeito à
natureza.
A primeira vez que escutei falar sobre parto humanizado foi quando eu e minhas
companheiras do coletivo feminista Laudelina nos preparávamos para organizar um
seminário de mulheres em 2013. Escutei mulheres falando sobre violência
obstétrica e sobre uma “nova” forma de nascer, de parir, de gestar. Um resgate
as formas ancestrais de conceber o nascimento. Pouco tempo depois eu engravidei
de Cícero e intensifiquei minhas leituras e decidi que queria parir
naturalmente, se possível em casa. Não consegui parir Ciço em casa, pari ele no
hospital em um nascimento cheio de intervenções, mas um nascimento muito feliz,
que me transformou profundamente, me transformou numa pessoa melhor e que acima
de tudo me empoderou demais. Quando descobri que estava grávida da Céu, Ciço
tinha entre 6 e 7 meses. Eu nem sabia que já estava ovulando, amamentando ainda
em livre demanda. Enfim, ficamos surpresos com a notícia. Surpresos de um jeito
bom. Sabia que muitas coisas iam mudar, mas não imaginava o quanto essa
gestação iria significar uma verdadeira revolução na minha vida, na minha forma
de ser e estar no mundo.
Logo que ficamos sabendo que estava grávida, retomamos o
contato com pessoas envolvidas com o parto humanizado, com o parto domiciliar,
e nosso caminho se encontrou com o de Carla. Fomos para Serra Grande participar
de uma roda de gestantes. Conhecemos e encontramos pessoas lindas lá. Chorei
muito. Foi muito bom encontrar tanto amor. Continuamos nos conectando, nos
sintonizando. A primeira consulta com a Carla, foi meio surreal, ela pegou uma
estrada de mais de 200km e veio aqui em casa nos visitar, sentou na minha frente,
pegou um caderninho e começou a perguntar sobre a minha vida, sobre minha
família, sobre minha mãe, como tinham sido os partos dela, como tinha sido o parto
de Ciço, perguntando e anotando com atenção. Me contou sobre a vida dela também.
A conversa (consulta?) durou horas. Tanta sensibilidade envolvida.
A distância sempre foi uma preocupação tanto nossa como de
Carla, então, foi por isso (e que bom) que a Rita entrou nas nossas vidas. As
duas ficariam disponíveis para o parto, o que seria muito importante caso Carla
estivesse envolvida com alguma outra gestante. Consultava com a obstetra Mayana
em Vitória da Conquista também, para ter uma referência médica mais próxima.
Uma pessoa linda também.
Os dias que antecederam o parto foram incríveis. Doze dias antes
minha mãe chegou aqui em casa. Já tínhamos comprado e preparado quase tudo para
o parto e ela trouxe os últimos chás e ervas que faltavam. Ela veio pra encher
ainda mais nossa casa de alegria. Deu muita atenção para o Ciço, babou muito
como vó. E pra mim que já estava sentindo muitas dores foi ótimo, pude
descansar bastante e me preparar emocionalmente para o parto. Sem falar nas
nossas conversas, nas suas palavras tão ricas de sabedoria. Muita admiração e
gratidão à mulher linda que ela é. Minha amiga profunda, minha bruxa.
Nós conhecemos a Rita na sexta seguinte. Precisou de poucos
minutos na nossa casa pra ficarmos todas e todos encantadas por ela. Rita nos
apresentou o Ho’oponopono. Um método de auto cura, e me sugeriu que por mais
maravilhoso que tivesse sido o parto de Ciço que seria legal eu trabalhar algumas
lembranças que ainda doíam. Me sugeriu escrever cartas para algumas pessoas. E
eu fiz, passei os dias seguintes escrevendo uma carta para a médica que havia
feito meu prenatal e outra para a equipe médica e médico que haviam acompanhado
o parto de Ciço. Cartas escritas com as frases do Ho’oponopono como linha “Sinto
muito. Me perdoe. Te amo. Sou grata.” Comentei com Leno que estava gostando de
escrever as cartas e acabei fazendo o Ho’oponopono com ele e resolvendo umas
questões nossas. Foi tão bom. Ele é um pai e companheiro maravilhoso. Depois de
escrever as cartas reescrevi o relato do nascimento de Cícero. Lembro que
enquanto escrevia, comentei que a Céu só estava esperando isso pra nascer. E a
gente sempre ligadas na lua.
Então, na quarta dia 23/12, eu falei pro Leno que ele
precisava descansar pro parto e ele descansou e de noite eu chamei minha mãe e ele
para ler as cartas. Nós sentamos na frente de casa, eu li as cartas e depois as
queimei. Depois li o novo relato do nascimento de Ciço. Nos abraçamos, eu
chorei de felicidade por estar compartilhando sentimentos tão bons. Nós fomos
dormir e as 2h, do dia 24/12, acordei sentindo que a bolsa tinha rompido. A
gente precisa se sentir, a natureza fala com a gente, nada aconteceu por acaso...
Acordei Leno, nós ligamos para Carla e fomos descansar.
Quando ela e Rita chegaram minhas contrações ainda estavam tranquilas e elas
foram descansar da viagem. Eu saí para dar uma caminhada pelas ruas do meu
bairro. Quando voltei as contrações já vinham um pouco mais fortes. Cícero
estava com sono e fui aproveitar para dar um dengo e dei de mamar para ele
dormir. Assim, ele participou assim ativamente do nascimento da Céu, pois a
partir daquele momento, a ocitocina liberada fez com que tudo começasse a fluir.
Isso era lá pelas 10h, ao meio dia minhas dores já estavam intensas e chamei a
Rita e a Carla. Dali eu perdi a noção do tempo. Vi elas se movimentando, as
coisas do quarto das crianças sendo reajustadas...
Muita gratidão. O
apoio da Liliane que trabalha aqui em casa, o carinho que ela tem com Ciço e
conosco. O carinho da Carla, da Rita e do Leno no quarto foi tão importante...
Leno sempre me lembrando de me concentrar na respiração, segurando as minhas
mãos e Rita e Carla com as palavras de apoio, estímulo e os olhares para eu não
sair de mim. Fiquei um tempo apoiada no Leno numa almofadona própria para
parir. Mas daquele jeito não tava funcionando. Rita olhou pra mim e perguntou “Tá
tudo bem? Tu tá com algum medo?” Eu sentia que sim. Tava com medo. Medo de não
ser capaz de parir. Pois por mais que eu tivesse parido Cícero, num parto
vaginal, tiveram intervenções que me deixaram insegura quanto a minha
capacidade de parir sozinha... Mas não disse nada, respondi que estava tudo
bem. Então elas disseram pra gente tentar outra coisa. Rita ficou na minha
frente e disse, olhando nos meus olhos, que quando a dor viesse a gente ia abaixar,
antes dela terminar a frase eu disse “tá vindo, tá vindo” e abaixei. E a Céu
nasceu, caiu em cima do tatame, em cima de um paninho branco. Eu que peguei
ela. E Leno já estava atrás de mim nos abraçou. Ela nasceu as 14h e minha mãe
chegou meia hora depois, tinha levado Ciço pra passear. A reação dele foi tão
linda, tão pura, cheia de admiração e curiosidade.
Coisas relevantes foram garantidas: ela nasceu num ambiente
quentinho, tranquilo e muito amoroso; eu dei de mamar em seguida, garantindo
todos os benefícios, para mim e para ela, da amamentação imediata; a placenta
saiu e o cordão umbilical foi clampeado pelo Leno no momento certo, após ter
parado de pulsar; a Céu ficou toda protegidinha pelo vérnix caseoso, só tomou
banho outro dia; não fui cortada, minha recuperação foi muito rápida, ela ficou
no meu colo por horas e eu estava no melhor lugar do mundo, na minha casa, com
minha família.
No outro dia, Rita e Carla foram embora. Viram que tava tudo
bem. Na despedida Carla me disse algo como “Tu conseguiu, viu?!”Foi tão bom
ouvir isso. Era verdade. Eu pari, parir é uma dádiva. Todo o apoio as mulheres
que queiram parir naturalmente. É uma experiência fantástica, que muda tudo
dentro da gente. Quero terminar o relato com a frase do Leno: “Só amor,
felicidade e gratidão habitam em nós!!”.
A DOR DO PARTO
Tá mas e a dor Priscila? Cara, eu escutei e li muitos
relatos em especial de mulheres que tiveram dois filhos próximos como foi o meu
caso. E muitas relataram que foi muito rápido, que não doeu quase nada, que o
corpo se lembra etc. O meu parto não foi assim. Nenhum dos dois. Eu senti muita
dor. De verdade. Mas eu só lembro disso. Eu lembro mas não sinto a dor de novo.
É diferente da dor emocional de, por exemplo, não ser tratada com amor e
respeito num momento tão importante. Essa dor sim a gente sente sempre que
lembra. Mas essa dor eu não senti. Então, doeu muito fisicamente, mas essa dor
só dura durante o trabalho de parto e se eu fosse parir mais 10 vezes, as 10
vezes eu iria querer que fosse assim. Com amor, com carinho, com respeito. E
dor?! Essa dor até nos fortalece. O parto termina e tu fica se sentindo uma
guerreira. E é. Os benefícios físicos e emocionais do parto natural, humanizado superam a
dor.
Priscila Figueiredo é professora, feminista, mãe e mais um monte de coisa. Compõe o CFLCM.
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