É pela vida das mulheres: A Luta pela autonomia feminina e legalização do aborto.
Por Valéria Martins
O dia 28 de setembro é o dia de luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe, uma discussão pelos direitos reprodutivos e pela autonomia feminina sobre o seu corpo e sexualidade. Discutir a legalização e descriminalização do aborto no brasil é, antes de mais nada, discutir sobre a vida e morte de milhares de mulheres, sobretudo negras, o que faz com que a tema tenha um viés de gênero e de classe, e a socialização da maternidade enquanto condição feminina imutável.
A
situação do aborto no país é uma discussão que vem sendo feita há muito
tempo. Calcula-se que a questão está em debate há mais de 20 anos no
legislativo e entrou como pauta do movimento feminista nos anos 80. Desde
então, alguns debates começam a ocorrer por pressão do movimento feminista e o
movimento de mulheres, que não se dizia feminista o suficiente, mas que
acreditavam que a questão do aborto no Brasil é uma questão de saúde pública e
não religiosa.
É
importante entender que o aborto começa a ser tratado mais severamente como
proibido partir da Segunda Guerra Mundial, onde os países precisavam repor a
mão de obra para o trabalho, logo, o direito ao aborto estava fora de questão,
uma vez que o mesmo pode interromper os interesses econômicos da sociedade.
Aliado a
isso, tem-se o apelo cada vez mais forte para o lado da maternidade. Esse apelo
ganha força graças às novas tecnologias reprodutivas que avançam e permitem que
as dificuldades encontradas por essa mulher que quer engravidar seja superada,
como são os casos de fertilização in vitro por exemplo. Uma vez que existe essa
facilidade tecnológica nos dias de hoje, escolher, livremente, não ter filhos é
comprar briga com a sociedade, que vê na maternidade a “realização de um sonho”
para todas as mulheres. Na escala criada por uma sociedade patriarcal, a
maternidade é o ápice das realizações femininas.
Essa
coerção faz com que muitas mulheres não aceitem que as leis sobre o aborto se
alterem, fato comprovado com a Pesquisa Nacional do Abortamento
(PNA) realizada por Débora Diniz* e Marcelo Medeiros** em 2010, que
apontou que 61% das mulheres e 69% dos homens acreditam que a legislação deve
continuar como está, sendo punitiva, marginalizadora e assassina.
Para Nalu
Faria, coordenadora da Marcha Mundial de Mulheres até 2013, a criminalização do
aborto não é só um debate religioso, é também um meio de cercear a sexualidade
e a decisão feminina, uma vez que já se tem as pílulas anticoncepcionais para
que as mulheres possam controlar o numero de filhos e aumentar o tempo entre
eles, mas não se tem autonomia de dizer não a uma gravidez indesejada, mesmo
que essa gravidez tenha ocorrido enquanto ela se medica (anticoncepcional).
Segundo Nalu, “em um mundo onde a questão da sexualidade e do corpo foi
invadindo a consciência social, a criminalização do aborto se tornou um pilar
de sustentação do patriarcado. Ou seja, de negação da autonomia das mulheres e
do exercício livre da sexualidade” (FARIA, 2013).
O
conservadorismo que ronda a questão do aborto faz com que muitas mulheres recorram
a procedimentos de riscos, como medicamentos ou cirurgias em clinicas
clandestinas. Outro
desserviço pregado pelo conservadorismo, e que devemos levar em conta é o fator informação. Muitos acreditam
que “não é possível engravidar se a mulher não quiser”, afirmando que na era
das informações não é possível acontecer um erro e reafirmando que a
responsabilidade de uma gravidez é inteiramente da mulher.
Embora o
número de mortes femininas por abortos clandestinos seja alto, o assunto
ainda é mascarado submetendo a mulher que precisa desse procedimento a uma
solidão silenciosa. Ela não fala, mas faz.
Fazer com
que esse debate prossiga é extremamente difícil, uma vez que ainda não temos a
laicidade do estado garantida como deveria ser e frequentemente vemos a bancada
conservadora tentar diminuir as poucas conquistas que já conseguimos, como é o
caso do estatuto do nascituro, que vem sendo discutido desde 2007, e determina
que todas as possibilidades de aborto no Brasil serão proibidas, um retrocesso
absurdo para a história do país e para a vida das mulheres brasileiras.
Afirmar que a legalização irá aumentar o número de abortos chega a ser desleal (embora a gente não espere compreensão de quem não nasceu com o peso da feminilidade e todas as suas demandas). Nos países onde foi legalizado e há uma politica de educação sexual fora da visão proibicionista e acesso aos serviços de saúde, o numero de abortos diminuiu.
Ser a
favor da legalização e da descriminalização do aborto é ser sim a favor da
vida, a vida de milhares de mulheres que são obrigadas a se submeterem em
procedimentos de riscos, pois para cada aborto mal sucedido, uma mulher morre.
Ser a
favor da legalização e descriminalização do aborto é ser contra o extermínio da
população negra, pois são essas mulheres que mais sofrem com a clandestinidade
e a criminalização, são elas as que mais morrem nos procedimentos precários aos
quais se submetem já que, em sua maioria, não dispõem de capital para arcar com
as despesas de uma “boa clinica clandestina”.
Enquanto as ricas abortam, as
pobres morrem! Por isso o aborto deve ser encarado como uma questão de saúde
pública urgente, para que seja garantida a segurança e o direito a vida das
mulheres.
*Profª Drª
Débora Diniz: antropóloga, professora do Departamento de Serviço
Social da Universidade de Brasília e pesquisadora da organização não
governamental Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Débora
Diniz coordenou a pesquisa.
**Prof Dr
Marcelo Medeiros: economista e sociólogo, professor do Departamento de
Sociologia da Universidade de Brasília e pesquisador da organização não
governamental Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero. Marcelo
Medeiros coordenou a pesquisa.
Link da pesquisa: http://www.apublica.org/wp-content/uploads/2013/09/PNA.pdf
Link interessante: http://thinkolga.com/2016/09/27/faq-sobre-o-aborto-tudo-que-voce-deveria-saber-respeito/
https://www2.ufrb.edu.br/cadernosisterhood/images/Caderno/Caderno_versao_atual.pdf
Valéria Martins é graduanda em Ciências Sociais, feminista negra interseccional. Compõe o CFLCM.
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